Quem nunca foi Bambolina?

Bambolina, boneca-menina, de mão em mão vai seguindo seu caminho. Num momento aconchegada e abraçada, já depois abandonada, pela novidade trocada.

Bambolina, um pequeno ser de pano, num destino tão humano. Saltitando entre o carinho e o encanto, tropeçando no desengano.

Essa tocante história sem palavras, aparentemente um simples e bonito livro infantil, é um profundo chamado para a reflexão. As aventuras de Bambolina, de Michele Iacocca, é literatura de conteúdo universal, expressada pela força das imagens. “Quem nunca se sentiu jogado fora, trocado e abandonado por egoísmo, interesse ou covardia? E quantos já não jogaram fora, chutaram, abandonaram e, quando quiseram de volta, não mais encontraram?”

O fascínio e o colorido de suas encantadoras ilustrações vão muito além do imediato prazer visual. Com extrema sensibilidade, o inspirado autor nos propõe uma leitura do mundo e de nós mesmos: “enxergar a realidade que nos circunda, a cidade, os lugares, as circunstâncias, as reações e os sentimentos, primeiro com os olhos, depois com a emoção”.

Não se trata, entretanto, de enveredar pela fantasia. A história nunca sai do real. Bambolina é e sempre será apenas uma boneca. O mágico está nos significados simbólicos que os desenhos contêm. Por meio da simbologia, Michele fala das relações de uso, das relações descartáveis – a boneca (ou as pessoas?) é usada e jogada fora quando não mais interessa. Fala de solidão e abandono, de morte e renascimento. E de como um bom sentimento, uma atitude espontânea e desinteressada, pode levar alguém a recuperar sua dignidade e seu destino.

A trajetória de Bambolina, na sua simplicidade, expõe diversas facetas do comportamento humano, desde o egoísmo, a ganância, o medo e a insensibilidade até, finalmente, o gesto que vem do coração, que salva e que liberta. Bambolina, tantas vezes chutada, não é mais um mero joguete, um brinquedo usado e largado conforme o interesse. É a boneca-menina que, recolhida do relento, renasce e encontra a própria identidade. Torna-se una e muitas através da linguagem e, a partir daí, estabelece uma relação verdadeira de troca com o mundo.