Longe dos olhos, mas sempre perto do coração

Ao mestre Eduardo Martins, com carinho
Lays Sayon Saade

Quem disse que ninguém é insubstituível? Há pessoas tão especiais e únicas que, quando se vão, deixam um imenso e irremediável vazio. No entanto, por mais triste que seja, pense no quanto seria ainda pior e lamentável passar a vida sem conhecer alguém assim, cuja perda nos cause tanta dor. Ter um amigo por quem valha a pena chorar talvez seja um privilégio que, infelizmente, nem todos têm. São afetos raros, para se manter no coração e na memória com ternura e alegria.

 É de uma dessas pessoas especiais que quero falar aqui. O jornalista Eduardo Martins, amigo querido, inesquecível, que se foi em 13 de abril de 2008 e continua tão presente. Um dos profissionais mais respeitados no mundo das letras, especialista e autor de livros de consulta imprescindíveis sobre a língua portuguesa. “Livros de cabeceira” que não podem faltar na mesa de quem escreve e gosta de escrever corretamente. Onde esclarecer tantas dúvidas de forma precisa e objetiva, se não no seu famoso Manual de redação e estilo, editado pelo jornal O Estado de S. Paulo, no Com todas as letras – o português simplificado, no Uso do hífen, nos Resumões de língua portuguesa? E agora (surpresa boa!) também no novo Os 300 erros mais comuns da língua portuguesa, mais um legado essencial que, sob o acompanhamento de sua competente esposa-anjo-da-guarda Maria Thereza (também tão doce e querida), estará em breve disponível.

Seus livros, como ele, permanecerão vivos e indispensáveis. Mesmo que algumas regras gramaticais sejam alteradas, a maioria dos princípios e normas é imutável. Sem falar nos convenientes alertas sobre a questão da elegância no falar e no escrever, evitando vícios de linguagem que doem no ouvido, como os famosos gerundismos (O artista vai estar iniciando..., Vou estar viajando...), frases de efeito (O deputado foi vítima de uma bala perdida na troca de chumbo entre a situação e a oposição...) e outras invencionices que, para muitos, dão a falsa impressão de intelectualidade ou sofisticação. Tudo isso era visto e revisto sem intransigência, até com compreensão e um sorriso complacente pelo zeloso jornalista, que não se cansava de debater pacientemente o assunto, revelando o inabalável amor pela língua portuguesa.

Pena que só uma parcela de seus inúmeros ‘discípulos’ teve oportunidade de conhecer o ser humano maravilhoso que, aliando seriedade e bom humor, estava por trás das úteis orientações. Lembro seus comentários divertidos quando o “dialeto dos internautas” se propagou entre os jovens. “Q kebra-kbça! Estão cada vez mais criativos”, ele dizia. E dava exemplos: Kra, naum eh 9dade dzr q a psora eh 1 blz! Traduzindo: Cara, não é novidade dizer que a professora é uma beleza! “É preciso hoje conhecer os fundamentos do código para intuir o significado de palavras como flr (falar), tds (todos), nd (nada), fvr (favor), cmg (comigo), kd (cadê), fmz (firmeza), flw (falou!adeus!), fznd (fazendo), pd (pode) qm (quem), hj (hoje), fds (fim de semana), e por aí vai... O ‘se’, coitado, virou uma simples letra c: vire-c e ñ c mova, c kiser c salvar (vire-se e não se mova, se quiser se salvar).”

Essas considerações em torno dos artigos que escrevia, como este sobre o “internetês”, rendiam interessantes e gostosos bate-papos culturais, com argumentações como: “O risco desse exagero é anular um fator positivo da internet, ou seja, bem ou mal, as crianças, os jovens e muitos adultos estão escrevendo, criando frases, improvisando. Mas, e se acharem que está aberto o caminho para a utilização normal da linguagem cifrada? Quantas dúvidas isso vai acarretar? Daqui a pouco nem farmacêutico vai decifrar essas genialidades”.

Era tão grande sua preocupação e seu carinho com a língua portuguesa, sua vontade de preservar, de esclarecer, de cuidar... Aliás, carinho é o que não faltava a esse coração generoso. Lays, querida, era sempre assim que ele iniciava as mensagens. E isso invariavelmente no decorrer de vários anos em que tivemos o privilégio e a honra de contar com seus artigos assinados no jornal Cultura News, da Livraria Cultura. A gentileza, a educação, o respeito e a consideração sempre presentes nas suas atenciosas ligações telefônicas e nos comentários a respeito das matérias. A responsabilidade de não atrasar um dia que fosse o seu texto, sempre impecavelmente completo e bem-acabado, sua felicidade quando recebia cartas dos leitores e constatava que conseguira contribuir para esclarecer dúvidas e melhorar um pouco que fosse as formas de expressão verbal e escrita.

Quanto conhecimento, inteligência e competência por trás da simplicidade e despretensão de um homem bom, dedicado, amoroso.  Que falta você está fazendo, amigo. Um guru da língua portuguesa, que deixou tantos órfãos... O consolo é poder contar com seus guias tão preciosos para quem tem prazer em cultivar a boa linguagem. É através deles que nós, amigos e admiradores, conseguimos aplacar um pouquinho a saudade e, apesar da distância intransponível, senti-lo perto e tão vivo em nosso coração.